Depois de tantas
primaveras me peguei novamente olhando do alto da sacada a chuva cair, mas
desta vez notei que do outro lado da rua um menino, ainda de chupeta, também a
observava, foi então que me dei conta que eu já não era mais um menino; aquele
menino que mesmo assustado com o barulho dos trovões, sentia a magia da chuva e
se deliciava com cada chuvisco que lhe escorria sobre a face; aspirava o cheiro da
terra fresca e molhada, o doce perfume das plantas e flores que exalam no ar
como para purificar o universo. Elevava-me a alma ao céu, ao extremo, ao
infinito numa verdadeira fusão entre mim e os elementos da natureza, a
compreensão de que Deus estava em todas as coisas, em todos os lugares, e em
cada gota de chuva.
Fitei o garoto
por alguns minutos e pude observar que ele sentia as mesmas sensações que eu
senti quando menino, por instantes me comovi, pois percebi o quanto o tempo
corrompe nossa alma e acaba sempre nos levando a sensibilidade, a capacidade de
perceber que a grandeza das coisas está nos detalhes mais singelos.
Quando criança
acreditava que cada gota de chuva carregava consigo um segredo, e que estes
segredos eram as chaves para a felicidade plena, neles a capacidade de
despertar no homem à vontade de viver, sim, pois água é vida! Este bem mais
natural.
Alguns minutos
se passaram e o menino do outro lado da rua ainda estava estático a observar a
chuva, como num relance recobrei meus sentidos, e não vendo mais o garoto aludi
que todo o tempo aquele menino era eu, as memórias então se fizeram mais fortes
e assim lembrei que tudo o que presenciara até então fazia parte da minha
vida. A chuva de verão se foi e surgiu
no céu um belo arco-íris e presumo que assim como eu o fiz um dia milhares de
crianças em todo o mundo estarão a sentir e indagar sobre segredo da chuva...
Marcelo Alves
Marcelo Alves
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