Sociedade Epicuréia

O cenário é a capital paulista em meados do século XIX. A Faculdade de Direito, instalada no antigo Convento de São Francisco, abrigava jovens vindos de diversas partes do Brasil. De acordo com o historiador Richard Morse: "os estudantes introduziram novas modas no vestuário. As caçadas, a natação, o flerte, as bebidas, as orgias e o hábito de se reunirem para discussão e divertimento levaram a vida para as ruas, ao ar livre, criaram a necessidade de tavernas e livrarias, e inauguraram o sentimento de comunidade".

Acomodados em pequenos quartos das repúblicas, os estudantes viam-se distantes do olhar recriminador da família. Aliada a liberdade, a atmosfera austera e sombria de uma São Paulo com no máximo 15 mil habitantes, fornecia elementos suficientes para o cultivo e propagação da imaginação. Neste caso, manifestada na literatura, e talvez, na vida real.

Um grupo criado em 1845, composto por boêmios universitários liderados pelos seus fundadores Aureliano Lessa, Bernardo Guimarães e Álvares de Azevedo, se intitulava "Sociedade Epicuréia". De acordo com as lendas, este grupo escandalizava as tradicionais famílias paulistanas ao promover orgias nas necrópoles da cidade. Dizia-se que haviam embriagado uma meretriz e a levaram secretamente para um cemitério. Numa cerimônia macabra, onde vinho e tabaco eram componentes essenciais, consagraram a prostituta como "Rainha dos Mortos", envoltos na fria neblina da madrugada paulistana.

O conto Noite na Taverna de Álvares de Azevedo, evoca um ambiente semelhante ao que poderia conter nestas cerimônias. Os relatos dos personagens Solfieri e Gennaro, por exemplo, poderiam ter sido inspirados em situações vivenciadas pelo autor e transcritas como simples contos.

Segundo o contemporâneo de Álvares de Azevedo, o escritor José de Alencar, "Todo estudante de alguma imaginação queria ser um Byron, e tinha por destino inexorável copiar ou traduzir o bardo inglês". Assim, os jovens e ávidos devoradores de Lord Byron, denominavam-se como personagens de suas obras. Estes pseudônimos eram usados apenas em suas reuniões. De certa forma, este recurso atribuía um aspecto alegórico e misterioso a Sociedade Epicuréia.

Outros boatos também contribuíram para que fosse criado um caráter profano ao redor da Sociedade Epicuréia e seus membros. Porém, os fatos combinam-se com os mitos e a veracidade das informações fica comprometida ao analisarmos alguns fatores.

É notório que Álvares de Azevedo possuía uma saúde frágil e uma personalidade introspectiva manifestada em seus versos. Além disso, o estudioso e dedicado jovem, teve uma importante parcela de sua obra construída durante o período que cursou a Faculdade de Direito. Portanto, é espantoso crer que o poeta promoveria e participaria de orgias como as que compõem a reputação da Sociedade Epicuréia, e esmaecem no véu dos tempos.

Mas deixemos as lendas. O fato significativo a ser destacado, é que a Sociedade Epicuréia é considerada por alguns, um grupo ou um período, onde se consolidou uma intensa e virtuosa produção literária estudantil. Até hoje, não houve um fenômeno de grandiosidade semelhante; e provavelmente não haverá. Isto porque a capacidade daqueles jovens poetas é incontestável, e o romantismo que circundava a outonal São Paulo daqueles tempos, jamais voltará a cena.

extraído de:http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/epicureia.htm